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O problema com a personalidade é que ela não nasce pronta e tem de passar por uma série de mutações evolutivas antes de alcançar um patamar onde alguma atividade intelectual seja possível. Isso nos remete ao velho problema das camadas da personalidade, algo que lecionei há vinte anos atrás e que é sempre um instrumento útil para analisar essas situações. Vou sugerir-lhes que, assim como fizeram o exercício do necrológio no começo deste curso, parem um pouco toda essa linha de estudos que estamos seguindo e façam uma análise de vocês mesmos à luz da teoria das camadas. Na verdade não é uma teoria, mas apenas um instrumento descritivo de um fenômeno que qualquer um pode observar.

Observando a conduta de qualquer pessoa e a sua própria, você verá que todos os elementos que compõem uma personalidade estão presentes no outro também. Todos temos basicamente os mesmos instintos, impulsos, necessidades, sentimentos de base, e a diferença entre um ser humano e outro não está nos elementos psicológicos que o compõem, mas apenas na forma que o conjunto adquire. Essa forma, por sua vez, é mutável com o tempo. Embora todos esses elementos estejam ali, e a forma também seja mutável, é possível apreender a forma de cada momento da vida de uma pessoa fazendo as seguintes perguntas: qual é o objetivo dominante que orienta o conjunto dos esforços dessa pessoa? O que ela está procurando o tempo todo? O que ela está buscando no fundo dos vários objetivos, emoções, situações e estados que vivencia? Qual é a chave de tudo isso?

 

🔹 Camada 1

 

 

Se você observar um bebê recém-nascido, verá que o primeiro interesse fundamental que essa criatura tem é a descoberta de seu próprio corpo. Um bebê observa o seu próprio corpo, mexe os membros, porque ele está tentando adquirir um domínio de algo que para ele é estranho ainda. Veja, por exemplo, o interesse que o bebê pode ter pelo seu próprio pé. Ele pega o pé e fica olhando um tempão.

Outra coisa típica da vida do recém-nascido é que ele vive num estado de busca perpétua de autossatisfação. Esse é o primeiro centro de interesse, que nunca é abandonado. Todos temos interesse em nosso bem-estar corporal e em nosso próprio corpo. Ninguém é totalmente indiferente ao próprio corpo.

Mesmo um asceta tem de levar em conta seu próprio corpo. Ele é capaz de distinguir entre as várias sensações que tem e considerar algumas prazerosas e outras extremamente desagradáveis. Inclusive a própria disciplina corporal que o indivíduo se impõe é ainda um esforço de apropriação do corpo. Na medida em que você está tentando dominar seu corpo, está tentando personalizá-lo.

Por exemplo, se você vai fazer um jejum prolongado, está tentando dominar seu corpo e provando que ele é seu, isto é, que você não está à disposição dele, perdido naquele conjunto, naquele sistema de órgãos e impulsos, mas que existe um centro que domina tudo aquilo. Esse esforço de dominar o próprio corpo, de personalizá-lo, é a primeira coisa que você vai ver um bebê fazendo. Isso é o que chamamos de primeira camada da personalidade. Essa primeira camada está sempre presente, você nunca a perde.

 

🔹 Camada 2

 

 

Acontece que com o passar dos anos existe uma passagem para outros centros de interesse, onde os instintos corporais começam a se dirigir a vários elementos do mundo exterior. Por exemplo, o garoto gosta de comer umas coisas e não outras. Ele personaliza a expressão do seu instinto. Todos temos o instinto básico de fome, que é mais ou menos idêntico, mas nem todas as pessoas querem comer as mesmas coisas. Você verá que o moleque prefere uns brinquedos e não outros, umas atividades e não outras. Isso significa que ele está tomando posse de um círculo um pouco mais amplo do que o seu próprio corpo.

Dizemos que essa segunda camada é o círculo dos instintos: coisas que se prolongam para além do corpo. Selecionar esses instintos e desejos e atendê-los é um esforço que vai muito além do domínio do próprio corpo, mesmo porque a maior parte desses instintos já não tem o próprio corpo como alvo, mas coisas, pessoas, situações e objetos. Nesse período, o indivíduo está formando o círculo dos seus impulsos e desejos predominantes. É evidente que ele subiu um patamar quando, por exemplo, tem a alternativa de comer várias coisas diferentes. Um recém-nascido não tem tal alternativa, pois está tomando apenas leite ou aquelas papinhas. Ele não conhece aquelas coisas suficientemente para poder selecioná-las. Imagine quanto tempo de experiência o sujeito precisa ter para conseguir identificar a diferença entre uma papinha e outra, e saber que de uma ele gosta e de outra não. No começo ele come a que gosta e a que não gosta, sem perceber a diferença, mas depois vai personalizando isso. Essa personalização dos gostos, desejos e preferências é a segunda camada, que também permanece o resto da vida. Ou seja, estamos o tempo todo selecionando objetos, situações e sensações que queremos e não queremos, outras que apenas toleramos e assim por diante.

Ora, cada uma dessas camadas que vamos atravessando permanecem em nós para sempre. Cada uma é integrada na seguinte, se tornando um aspecto da seguinte na medida em que esta a transcende e abarca imensuravelmente. Veja que todo o círculo das atividades que um menino de três ou quatro anos gosta e desgosta transcende infinitamente o tamanho e a esfera do seu próprio corpo. Mas o corpo no começo era como se fosse o mundo todo para ele. Na segunda camada o corpo permanece lá juntamente com o impulso de apropriação do corpo, só que ele foi automatizado e não é mais um objeto de atenção. Ele passa para um segundo plano, enquanto o foco de interesse se desloca para um círculo maior, incluindo aquele como uma parte, instrumento ou meio seu.

 

🔹 Camada 3

 

 

Em seguida, abre-se para o indivíduo o círculo das relações sociais, que transcende também infinitamente o círculo dos seus meros gostos e instintos corporais. Ele terá de adquirir novos códigos e novas possibilidades de ação que na camada anterior eram inconcebíveis para ele.

Por exemplo, um menino que está na segunda camada não diferencia muito bem entre pessoas e coisas no que diz respeito a sua conduta ou ao tratamento que dá às pessoas e às coisas. A diferença entre um objeto dotado de vontade própria, como um ser humano ou até um gato, e um brinquedo inerte não está muito clara para ele, porque ele os vê apenas como seus objetos de desejo e não como entidades externas que têm uma existência independente. A terceira camada então implica saber que os outros não são eu, que eles também são centros geradores de ação, de decisão, de significação etc., e que eu não posso submeter todos ao meu desejo.

Essa é uma descoberta absolutamente formidável, quando o sujeito descobre que não manda no mundo, que vai ter de se relacionar com todos esses seres e aprender a regra do jogo. Para obter o que quer, não basta apenas gritar ou fazer força.

O bebê pequeno impõe sua vontade chorando. Logo em seguida ele aprende a fazer força para obter aquilo que deseja. Quando um bebê está lidando, por exemplo, com um brinquedo e o brinquedo não procede do jeito que ele quer, ele quebra o brinquedo. Se estiver brincando com o irmãozinho e este não procede do jeito que ele quer, desce a mão no irmãozinho. Isso porque para ele é a mesmíssima coisa. É apenas uma questão de impor sua força física ao universo externo. Essa ainda é a segunda camada.

Na terceira camada, o indivíduo percebe que existe um imenso tecido de relações, regras, signos, todo o mundo de uma linguagem social que evidentemente não é só a linguagem verbal, mas todos os códigos possíveis, como olhares, gestos etc. Já é um mundo enormemente mais complicado do que o do mero trato instintivo entre o corpo como portador dos desejos e instintos e o mundo físico em torno.

 

🔹 Camada 4

 

 

Desse acúmulo de experiências forma-se um quarto círculo: o mundo dos sentimentos historicamente consolidados. Já se tem uma história aí. As coisas passam a ter uma significação temporal; o mundo do tempo se abre para o indivíduo. A pessoa já tem coisas que estão no passado. A distinção entre passado, presente e futuro torna-se importante. O indivíduo é capaz de fazer uma história dos seus sucessos e das suas frustrações e a partir destes delineia esperanças, objetivos e sonhos. Trata-se de toda uma personalização do mundo emocional.

Se vocês me perguntarem onde é que entra a formação do “eu”, não sei exatamente, porque tudo isso é o “eu” no final das contas. Mas quando se chega na quarta camada, já se tem uma história pessoal e o valor das coisas passa a ser julgado em termos de tempo — de passado e futuro —. Aí delineiam-se pela primeira vez os sonhos e aspirações. A pessoa começa a sonhar com o futuro, com algo que desejaria ter ou ser e se aprofunda muito a consciência do abismo entre a situação real e o imaginário. Descobre-se então que em volta, em cima ou em torno da situação de fato existe todo um mundo de signos, aspirações e símbolos que, de certo modo, só existem para o indivíduo. Parte desse mundo pode ser comungado com outras pessoas, mas distingue-se nitidamente do mundo físico. A pessoa sabe que tudo aquilo é real, mas não está fisicamente presente.

Claro que há uma tendência para dizer que todo esse mundo está dentro da pessoa. Entretanto, o “dentro” afinal de contas é apenas um conceito espacial e não descreve corretamente o que acontece, porque todo esse mundo de sonhos e aspirações definitivamente não é espacial, não está em parte alguma. Por exemplo, toda sensação física é localizada. Ou você tem uma sensação visual, ou auditiva, ou táctil — se você tem uma dor, ela se localiza em algum lugar ou em alguns lugares do corpo —, mas as emoções e sentimentos não estão localizados. Não podemos dizer que eles estão dentro do corpo, pois nesse caso estariam localizados em algum lugar, quando na realidade estão em lugar nenhum. De certo modo é até difícil dizer se eles estão dentro de nós ou se nós estamos dentro deles. Uma emoção espalha a sua cor por todo o horizonte da existência da pessoa, a ponto de que quando se está triste, a tristeza expressa-se até mesmo na visão que se tem do mundo físico em volta. Tudo lhe parece mais apagado, cinzento, sombrio. Se você tem medo, tudo lhe parece atemorizante. Podemos dizer que por um lado esse mundo de sentimentos e emoções está “dentro de você”, no sentido de que ele não é acessível a outras pessoas, já que é só você que está sentindo aquilo — mesmo que uma pessoa sinta a mesma coisa, você só sabe disso por sinais externos; não há uma coparticipação imediata dos sentimentos —; mas por outro lado, como essas emoções abarcam a totalidade da sua experiência, é você que está dentro delas como se fosse em uma bolha da qual não consegue sair. Um estado de medo e tristeza o rodeia e você não consegue sair de dentro dele. Existe até a expressão “eu preciso sair dessa”. Não haveria essa expressão se as pessoas não tivessem realmente esta experiência de estar dentro de uma atmosfera de sentimentos, como se o sentimento estivesse espalhado no espaço como uma bolha.

Assim como na primeira e segunda camadas o bebê buscava insistentemente sua satisfação física — na primeira agindo apenas sobre seu próprio corpo e na segunda agindo sobre objetos em torno — , na quarta a pessoa também está buscando a satisfação, mas sob uma modalidade mais sutil que é a satisfação emocional, a que chamamos de felicidade. É a busca da felicidade e a fuga da infelicidade. Isso vai formar para sempre a constelação de símbolos que representam para nós a felicidade, o infortúnio, a alegria, a tristeza e assim por diante. É claro que é um período de intensa busca de autossatisfação. Veja por exemplo que adolescentes buscam insistentemente situações que lhes pareçam estimulantes: festas, esportes, passeios, às vezes até encrencas e aventuras. Isso é a busca da felicidade. O indivíduo quer sentir determinadas coisas. É a busca obsessiva por sentir certas coisas e não sentir outras.

 

🔹 Camada 5

 

 

Essa busca conserva-se dentro de nós, mas chega um ponto em que se esgota, e a mera busca do sentir não resolve mais a situação, já que de certo modo a experiência se torna repetitiva e sempre fadada ao fracasso. Há um momento em que o indivíduo percebe que, se ele quer de fato estabilizar determinados sentimentos, a primeira coisa que tem de fazer é sentir-se bem com ele mesmo, e isso já não é a mesma coisa que buscar a felicidade.

A felicidade é sempre algo que vem de fora: é uma situação, um estado, um dom qualquer que você recebe. Por exemplo, se você se apaixona por uma garota, sua felicidade depende de que ela o retribua, e o máximo de infelicidade será a indiferença dela. Chega uma hora em que a sucessão dessas experiências emocionais é concluída e o indivíduo percebe que de certo modo ele é o autor dos seus próprios estados, ou seja, que muito do que ele sente não depende do que está acontecendo ou do que os outros façam, mas dele mesmo. É o momento em que ele necessita tomar posse de si mesmo, já não no sentido corporal como na primeira camada, mas no sentido existencial total. Ou seja, ele tem de mostrar que é o senhor do seu próprio destino.

A partir daí o critério já não é mais felicidade versus infelicidade, mas vitória versus derrota. O indivíduo tem de vencer e provar para si próprio em primeiro lugar — não para os outros — que ele é alguma coisa. Pode ter algum coeficiente de exibicionismo também, mas o fundamental é tomar posse da sua força, sentir-se como um sujeito criador de situações que dependam exclusivamente dele. Nesse período, o coeficiente de felicidade ou infelicidade recebido de fora já não é tão importante, porque mesmo os fatores que podem deprimi-lo são encarados como desafios que ele tem de vencer. Nesse período o indivíduo tem de sair vencedor em tudo, mas só está tentando provar algo para si mesmo. O que importa é a vitória subjetiva, é conseguir olhar para si mesmo e sentir um certo orgulho. Ter orgulho de si é importante nesse período.

Continuemos lembrando que em cada uma dessas camadas as anteriores se conservam, mas agora viram instrumentos para a conquista de um objetivo que as abrange e transcende. O indivíduo que está em plena camada cinco está buscando sobretudo a vitória, o sentimento do seu próprio valor, da sua própria capacidade, da sua própria força. Nisso se integra, voltando de trás para adiante, todo o seu mundo emocional, que passa a ser um fator de vitória ou derrota. Por exemplo, ele percebe que tem de ter um certo domínio sobre seus sentimentos. Ele precisa reprimir certos sentimentos, senão eles podem atrapalhá-lo na luta para afirmar seu próprio valor. Aqueles sentimentos continuam ali, mas se integram diferentemente em um outro conjunto superior. Do mesmo modo, tudo o que ele aprendeu com as relações sociais, a linguagem, os signos etc. está lá, mas agora organizado em função de um novo objetivo.

 

🔹 Camada 6

 

 

Mas algum dia todos saímos da adolescência e temos de fazer algo mais do que provar para nós mesmos nosso próprio valor. Quando alcançou aquele nível mínimo e indispensável de autoconfiança sem o qual não é possível a sobrevivência no meio social, o indivíduo tem de passar para uma outra camada. Nesta camada, o que interessa já não é mais o indivíduo sentir que vale alguma coisa — não é mais sentir a sua própria força —, mas obter algum resultado real.

Por exemplo, se você arruma um emprego não adianta sentir que é ótimo. Você tem de fazer algo que funcione dentro do conjunto das suas tarefas. Você tem de ter um resultado objetivo, ainda que isso valha pouco para você em termos de autoafirmação — camada cinco — ou em termos de felicidade e infelicidade — camada quatro — e assim por diante. Trata-se do domínio da vida prática, das necessidades práticas.

Podemos dizer que esta sexta camada é uma camada altamente contábil, onde tudo o que interessa é o crédito superar o débito. Algum resultado você tem de obter. Evidentemente nesse período você tem preocupação com horários e com a distribuição das suas energias. Você sabe, por exemplo, que não pode ter períodos de descanso ou repouso conforme o exclusivo critério do seu bem-estar físico, mas que é necessário que o seu repouso e o seu esforço se encaixem dentro de uma máquina, de uma engrenagem, que visa a objetivos que não são os seus, mas que você tem de fazer funcionar da melhor maneira possível.

Lembro-me, por exemplo, quando eu tinha dezessete anos e precisava urgentemente trabalhar. Já tinha tido alguma experiência trabalhando em escritório, mas estava achando muito ruim. Lembro-me que fui trabalhar no jornalismo por um único motivo: naquela época a lei determinava um período de cinco horas para o trabalho jornalístico e eu achei aquilo uma maravilha porque precisava de tempo sobrando para estudar. Fui para o jornalismo exclusivamente por causa das cinco horas. Quando mais tarde modificaram a lei e todos os jornais começaram a utilizar o período de oito horas, o negócio perdeu a graça e não era mais vantajoso para mim. Eu não escolhi aquilo porque ia ter alguma autossatisfação ou porque ia provar a minha própria capacidade. A capacidade já estava provada. Quando sentei para fazer o primeiro teste no jornalismo sabia que sabia melhor Português do que todos daquela redação juntos. Então aquilo ia ser moleza, pois minha capacidade estava demonstrada. Mas o problema não era provar para mim mesmo que tinha uma capacidade. Eu tinha de escrever uma coisa que servisse para eles. O critério é completamente diferente. Os critérios de exigência em matéria de linguagem no jornalismo eram muito inferiores aos meus. Mas isso queria dizer que eu tinha de dobrar os meus critérios de exigência e atender aos deles, porque os meus abrangiam certas exigências que para uma redação nem existiam e se tornariam invisíveis. Se eu escrevesse a coisa com altos méritos literários isso seria totalmente invisível para aquelas pessoas. Eles queriam apenas que eu atendesse ao critério do jornal. Foi uma espécie de desaprendizado. Eu tive inclusive de baixar o meu autoconceito para poder me adaptar àquela coisa. E tudo para obter aquele negócio maravilhoso que era um salário no fim do mês. Eu tinha trabalhado como office-boy antes e quando fiz o teste no jornal e me disseram o meu salário eu quase caí de costas e pensei que tinha ficado milionário. Era dez vezes mais e com três horas de trabalho a menos. Naquele ponto tinha dado tudo certo: o meu esquema organizacional estava funcionando perfeitamente bem naquela etapa da minha vida.

Nesse período então o indivíduo adapta-se a exigências externas, mas visando um resultado que o vai beneficiar. Não se trata de um benefício psicológico — psicologicamente pode haver até um malefício —, mas a pessoa faz uma troca; entra em um comércio. Sacrifica um pouco da sua autoimagem, do seu tempo e da sua felicidade para obter um rendimento no fim do mês ou no fim do ano. Mas trata-se de algum objetivo prático. É claro que isso não se aplica somente à vida econômica “strictu sensu”. Em vários domínios da vida o indivíduo aprende a ter um senso prático sem o qual não pode sobreviver como uma pessoa adulta na sociedade.

 

🔹 Camada 7

 

 

Depois que obteve esse domínio, a pessoa percebe que está convivendo com outras pessoas que também estão buscando os mesmos objetivos e vantagens e que não a consideram uma pessoa superior a elas. Vejam que coisa incrível! Pela primeira vez você descobre que não é a única pessoa que tem objetivos e que os outros não dão muita importância a você. Cada um deles tem os seus objetivos e desejos, o seu esquema organizacional no qual não vai permitir que você interfira de maneira alguma.

Por exemplo, se você está muito ocupado ou doente e não pode fazer um determinado trabalho, e quer que alguém o faça em seu lugar, nem sempre vai encontrar quem o faça porque os outros também estão ocupados, principalmente com os próprios objetivos deles. Você percebe que as pessoas têm objetivos próprios e não consideram, por incrível que pareça, que os seus objetivos são mais importantes. Você entra em uma outra esfera, na qual o equilíbrio de direitos e deveres é a coisa fundamental. Ou seja, já não é apenas a organização da sua vida que interessa. Não é apenas o encaixe da sua vida dentro de uma engrenagem maior que rende alguma coisa para você. É o encaixe do seu projeto e da sua organização pessoal numa infinidade de relações com outras pessoas que têm objetivos próprios e que se consideram, assim como você, o centro do universo.

Dessa forma você desenvolve o senso daquilo que hoje se chama cidadania. Cidadania é saber que você tem direitos e deveres, ambos limitados, e que os outros também têm. Esse senso dos direitos e dos deveres não chega a você sob a forma abstrata de um código civil ou penal, nem sob a forma dos dez mandamentos ou de nenhuma filosofia política abstrata, mas sob a forma do código de lealdade vigente no lugar onde você está.

Por exemplo, lembro-me que um dos primeiros códigos que aprendi, ainda dentro do jornalismo, foi que havia uma conspiração geral para todo mundo trabalhar menos e ganhar mais. Todo e qualquer serviço devia ser feito na base do mínimo indispensável e os méritos de cada um deveriam ser maximizados perante a empresa. Todos conspiravam juntos — não era uma coisa individual — para trabalhar o mínimo e ganhar o máximo. Nesse sentido, ludibriar a empresa onde se trabalhava era um dever. Podendo ludibriar, tínhamos de ludibriar. Quando saíamos para fazer as reportagens para o jornal, às vezes em viagem, havia um “mandamento divino” que dizia que tudo tinha de ser superfaturado. Se você viajava até Sorocaba, faturava como se tivesse viajado até o Amazonas. A tarifa do ônibus seria a mais cara, a do hotel seria a mais cara, tudo seria superfaturado de forma que sobrasse sempre um dinheirinho no seu bolso. Isso era regra áurea. E se você apresentasse contas muito precisas e realistas seus colegas ficariam revoltados, pois você estaria boicotando o superfaturamento deles. Adaptar-se a essa regra implicava uma ambiguidade. Você tinha uma regra para lidar com os colegas e outra para lidar com a empresa. A empresa era considerada apenas um malefício temporário que você tinha de suportar.

No entanto, também havia outra regra: as pessoas que aos olhos do chefe ou patrão pareciam mais identificadas com as finalidades da empresa subiam e outros ficavam embaixo. Então chegava um momento na vida em que você tinha de optar: ou serei um bom colega dos meus colegas e ficarei embaixo com todos eles — no fim de semana nos juntaremos num bar para tomar cerveja, falar mal dos outros e lamentar a nossa porca vida — ou voltarei as costas para eles e ficarei do lado do patrão ou do chefe. Ou seja, vou me comportar na linha horizontal ou na vertical? Se eu subir um pouco na vida, todos os meus colegas vão me odiar e falar muito mal de mim, mas a empresa estará satisfeita e terei uma perspectiva melhor.

Essas regras você vai ter de aprender. Elas não visam apenas a produzir um rendimento, mas a obter para você o apoio da comunidade. Você tem de ter um lugar na comunidade. Você tem de ser respeitado, gostado, amado se possível. Tem de agradar as pessoas e ser justo com elas, de acordo com o padrão de justiça que está vigente naquele lugar. Esse padrão de justiça, quando julgado filosoficamente desde uma distância maior, pode parecer uma verdadeira monstruosidade, como a mim me parece.

A respeito disso leiam Aleksandr Zinovyev, “The Reality of Communism”, e vocês verão o conjunto de códigos totalmente predatórios que o indivíduo tem de obedecer para ser aceito pelo seu grupo, sua empresa etc. Nesta fase, quando se está nesta sétima camada, o acerto ou desacerto dos vários códigos ainda não interessa objetivamente. O que interessa é aprender os códigos e saber praticá-los. Evidentemente, a opinião do grupo torna-se uma coisa extremamente importante para você porque o seu futuro depende disso. Para abrir caminho na sociedade você vai precisar ser aceito por algumas pessoas.

Ainda nesse exemplo comum no jornalismo, outra regra bastante disseminada dizia que se você subisse na base de agradar seus superiores e dar as costas a seus colegas, apesar de subir, perderia totalmente a lealdade dos colegas e não teria poder de comando sobre eles. As pessoas que subiam no jornalismo tinham de ser de uma engenhosidade fora do comum. Elas tinham de agradar os chefes e superiores, mas ao mesmo tempo não podiam perder completamente o elo de cumplicidade com os antigos colegas. É claro que raríssimas pessoas conseguiam esse ponto de equilíbrio. Alguns subiam e eram odiados, de maneira que quando as pessoas obedeciam era de má vontade, e estavam continuamente buscando puxar o tapete deles e substituí-los por outros que os representassem. Basta isso para você ver que a atmosfera nesses lugares era irrespirável. Havia um senso de ameaça por toda parte. Havia até um personagem mítico que se chamava no jornalismo brasileiro “o passaralho”. De vez em quando o passaralho descia sobre a redação e dez ou quinze perdiam o emprego. Todo mundo vivia num constante temor do passaralho, embora ele raramente descesse. Eu acredito que era mais ou menos assim por toda parte. Depois observei que no meio universitário era a mesma coisa e em empresas privadas um pouco menos. No mundo da indústria isso também acontecia, mas era um pouco menos.

Absorvendo esses códigos você se torna uma pessoa igual às outras: torna-se um cidadão, com seus direitos e deveres e, tendo sua posição reconhecida, consegue o mínimo de apoio da comunidade, sem a qual você não pode viver. É claro que pode se introduzir já aí uma pequena preocupação quanto à justiça ou injustiça objetivas da sua conduta. Mas apesar de poder estar presente, essa preocupação não é o centro das atenções. Você está tendo mais trabalho para aprender e se adaptar aos códigos do meio e não vai necessariamente julgá-los.

 

🔹 Camada 8

 

 

Nesse ponto você é praticamente um homem maduro, mas para isso falta uma coisa: lembrar de tudo o que fez e, depois de conquistada uma certa posição social, ser capaz de examinar tudo aquilo criticamente. É a hora de se fazer certas perguntas: o que fiz da minha vida? Isso é justo ou injusto? É isso que eu quero? Não é isso que eu quero? Sou um fracasso? Sou um sucesso? etc. Esse autoexame o recoloca, no plano da história, na quarta camada. Mas agora já não apenas no sentido de encontrar e definir objetos que simbolizem a felicidade ou a infelicidade para você, mas sim no sentido de saber o que você fez pela sua própria felicidade ou infelicidade e encarar-se a si mesmo pela primeira vez como sujeito dos seus atos. Só quando você está nesse ponto é que se pode dizer que é um homem maduro: aquele que não é apenas um cidadão, mas alguém. Ele tem consciência de si e é capaz de julgar-se a si mesmo. Isso é extremamente difícil.

Quando eu repasso mentalmente a minha experiência de ter vivido no Brasil durante tanto tempo — vivi cinquenta e oito anos nesse país — vejo que a maior parte das pessoas que conheci tinha parado na camada quatro. Ou seja, não tinham chegado sequer a ter o teste decisivo de sua capacidade. Fugiam do teste, buscavam proteção. De certo modo, encruavam e não alcançavam o desenvolvimento humano que é próprio da espécie.

Tudo o que estou descrevendo é próprio da espécie humana, os animais não tem isso. Por exemplo, o animal aprende todos os códigos de convivência em um dia, porque são muito simples: você obedece o mais forte e fica quieto. Não há mais nada para aprender depois disso. Vendo um documentário sobre lobos, notava que o lobo chefe, o mais forte, quando conversava com os outros mantinha o rabo elevado e o outro abaixava o rabo. Já é um código. O cara que tem o rabo levantado é o que manda. Ou você vai lá, bate nele e o obriga a abaixar o rabo, ou você abaixa o seu e fica quieto. Esses códigos são muito simples. É desconhecido no reino animal qualquer longo aprendizado de tentativa e erro. Eles definitivamente não aprendem isso por tentativa e erro. Esse negócio já está no código genético e acho que basta uma única experiência para ficar sabendo para o resto da vida.

No ser humano não funciona assim. Esse negócio é enormemente complicado. Ainda mais porque você vai conviver com muito mais membros da sua própria espécie do que qualquer animal jamais fará. Não apenas conviver diretamente, mas imagine todas as pessoas com quem você encontrou ao longo da vida, toda a imensa variedade de relações que você teve com elas, e mais aquelas que influenciaram a sua vida à distância como, por exemplo, o sujeito que era Presidente e assinou um decreto que mudou sua vida econômica, ou pessoas que você viu na televisão, no cinema etc. É uma multidão de gente. Nenhum bicho jamais teve acesso a isso. Até quantitativamente a situação é mais complicada.

Assim vemos que é próprio do ser humano atravessar todas as camadas. Todavia, algo é característico: para quem está numa camada, os objetivos da seguinte são incompreensíveis. Considere um bebê que está em plena segunda camada. Para ele tudo no mundo em torno é objeto e, portanto, só ele existe como sujeito. Ele tenta dominar fisicamente as coisas, por exemplo, forçando o brinquedo ou o cachorrinho a fazer o que ele quer — lembro-me que um dos meus filhos tinha um cachorro e de vez em quando ao discutir com o cachorro, meu filho o mordia; certamente o cachorro não entendia direito e duvido que passasse a obedecê-lo mais por causa daquilo —. A segunda camada é aquela onde você força a natureza. Isso significa que a etapa seguinte, que é uma etapa de intercomunicação e de negociação, é inimaginável para você. Qualquer sinal que venha de uma das camadas superiores será interpretado pelo indivíduo dentro dos parâmetros da própria camada em que ele está.

Por exemplo, vejo muitos pais tentando dar explicações a crianças que estão em plena segunda camada dizendo que elas não podem fazer certas coisas por causa disso ou daquilo. A criança interpreta isso como uma imposição de força física mediante o tédio, sentindo-se obrigada a ficar quieta ouvindo a coisa toda. Ela não está entendendo uma palavra do que o outro está falando, mas está obrigada a ficar quieta. Você paralisou a criança. É assim que ela vai entender. Por isso eu digo a mães e pais que não expliquem nada para crianças pequenas. Simplesmente dêem uma ordem e está acabado. E se a criança não quiser obedecer, faça um olhar assassino. É simples. Eu demonstrei isso com a minha netinha e minha filha viu. De vez em quando ela fazia um show de ranhetice e a minha filha ficava desesperada. Então eu disse que lhe ensinaria uma técnica. Quando a minha netinha começava a ranhetice eu fazia um olhar assassino e ela parava na mesma hora. Olhava para mim e a chupeta caia da boca. Obedecia imediatamente. Eu não usava nenhuma palavra. Com a palavra você pode amedrontar a criança, mas é impossível forçá-la a entender o que você quer dizer. Vejo que nessa idade as crianças obedecem facilmente a uma ordem, quando a mesma é simples e dada com energia. Mas dar uma bronca é totalmente inútil, porque ela vai entender a bronca como uma imposição de força física e não como uma negociação. Uma criança pequena nunca sabe por que você está dando a bronca. Ela sabe apenas que você está dando a bronca. O porquê depende da terceira camada, ou seja, depende de linguagem, de negociação, de significações etc. Do mesmo modo que a criança aceita a ordem, ela não aceita bronca e não aceita explicação. Isso só serve para enervar e deixar a criança mais rebelde ainda.

Do mesmo modo, quando uma criança está em plena conquista da sua rede imediata de relações, todo o mundo das emoções pessoais é incompreensível para ela. Por isso que se nota que adolescentes parecem insensíveis e cruéis. É que agora estão num mundo de jogo. A terceira camada é eminentemente jogo. É interação, troca e descoberta desse instrumento maravilhoso de ação que é a linguagem. Podemos obter o que queremos através da linguagem. Isso ocupa de tal modo a mente deles que seria impossível imaginar que o que ele está fazendo pudesse magoar outra pessoa. Você não vai conseguir explicar para um sujeito desses o que é magoar. Ele não vai entender. Em cada uma das camadas, a temática da camada seguinte é incompreensível e invisível.

Para vocês verem como é pobre a situação da sociedade em que vivem, observem em torno e vejam a multidão de pessoas incapazes que querem ser felizes e que contam com a proteção dos outros para isso. São pessoas que vivem buscando atenção, carinho, um espacinho para elas, mas que não são capazes e nem tentam ser capazes de fazer nada. Pessoas que fogem de desafios da vida, isto é, que não chegaram nem na quinta camada ainda. Isso é uma tragédia.

É só na oitava camada que você está lidando com um homem adulto, ou seja, com alguém que sabe que o tecido das suas obrigações sociais não é tudo. Alguém que sabe que existe para além disso uma dimensão do sentido da vida, da moralidade, da consciência moral, do certo e do errado, e assim por diante. Não que antes a pessoa não soubesse o que é o certo e o errado. Mas é só quando se chega neste ponto que o indivíduo interioriza efetivamente a questão do certo e do errado. Para qualquer pessoa que esteja na sétima, sexta, quinta camada etc., o certo e o errado são elementos do mundo exterior. Se você está na segunda camada, o certo e o errado são forças físicas que estão se impondo a você. Você deixa de fazer o errado porque senão o seu pai vai bater em você. Se você está na terceira camada, há o elemento de jogo. Aí é quando o sujeito aprende, por exemplo, que ele pode se fingir de bonzinho. Ele pode fazer uma coisa mas fingir que está fazendo outra — não que ele não pudesse fazer isso antes, mas ali ele adquire o domínio disso —. Se está na quarta camada, tudo para ele é uma questão de felicidade ou infelicidade, de como está se sentindo. O bem é aquilo que ele ama, que faz sentir-se bem, e assim por diante. Na quinta camada, o bem é aquilo que lhe dá a vitória, que reforça o seu ego, e o que o deprime parece o inimigo, o demônio. E assim por diante.

Mas é só quando se chega na oitava camada que o problema do bem e do mal começa a existir efetivamente para o indivíduo. A oitava camada é uma crise, onde a pessoa pode verificar que falhou no sentido da vida, que sua vida não tem sentido nenhum. É onde a pessoa pode se arrepender de seus pecados e tentar remanejar o comando.

 

🔹 Camada 9

 

 

Em geral os seres humanos adultos param na oitava camada. Mas alguns criam uma nova camada, onde descobrem que todas aquelas perplexidades, contradições e dificuldades que observaram ao rever a própria vida são componentes estruturais da vida humana. Descobrem que todos os seres humanos tiveram as mesmas dúvidas e os mesmos sofrimentos. Alguns aprendem que esses problemas não são só seus, mas da humanidade. E aprendem-no através da cultura. Aprendem lendo, informando-se e vendo milhares de exemplos de outras vidas, interessando-se por vidas que se passaram há cem, duzentos, quinhentos anos atrás como se fossem a vida deles mesmos. Isso quer dizer que o padrão de humanidade dessas pessoas amplia-se formidavelmente para abranger milhões de pessoas — reais ou meramente imaginárias — que elas nunca vão conhecer. Através desse esforço de absorção da experiência humana universal, esses indivíduos, se não encontram uma solução para seus dramas pessoais, encontram uma nova razão de viver. É a isso que eu chamo de personalidade intelectual.

Você adquire uma personalidade intelectual quando completamente tudo o que lhe acontece já não é vivenciado apenas como seu problema pessoal, mas como exemplo, símbolo ou sugestão de problemas enormemente maiores que talvez não tenham solução. Pensar nesses problemas e dedicar um tempo a eles torna-se uma das grandes finalidades da vida humana. Não é preciso dizer que se você não chega a ter uma personalidade intelectual, não consegue acompanhar este curso, mesmo que seja um gênio, pois aqui não é uma questão de inteligência ou de QI, mas da consistência existencial do indivíduo.

 

🔹 🔹 🔹 

Demais camadas da personalidade:

 

Existem outras camadas depois dessas, mas não vêm ao caso no momento. Às vezes as pessoas tentam imaginar o que são as camadas seguintes, mas é apenas uma curiosidade intelectual. O que interessa não é examinar as camadas seguintes, mas examinar a seguinte. É saber onde você está.

 

 

Quando eu convoco as pessoas para este curso, estou tentando atender uma necessidade que é referente à nona camada, a personalidade intelectual. Portanto, não estou aqui para resolver problemas pessoais. Não estou aqui para lhe dar felicidade, nem alívio, nem para lhe ensinar o sentido da vida. Estou dando instrumentos para que você cumpra as finalidades que são inerentes à nona camada da personalidade. Ou seja, este curso é para intelectuais.

Acontece que na sociedade brasileira a função intelectual está muito mal definida. Ela não é clara para o distinto público. Por isso acontecem aberrações como esta de dar o Prêmio Jabuti para Chico Buarque de Holanda, que é um indivíduo de consistência intelectual absolutamente nula. Maria Rita Kehl então nem se fala. A totalidade da obra de Maria Rita Kehl consiste em reclamar do sexo masculino e ponto final. É uma coisa de uma pobreza tão grande que nem se entende como isso possa entrar em um concurso. Mas é preciso dar o prêmio a esses dois porque não há mais escritores [aula ministrada em 13/10/2010]. Não se produziu absolutamente nada de bom nos últimos vinte ou trinta anos. Então não há concorrentes.

Como você vai desenvolver uma personalidade intelectual num lugar onde não há pessoas que esperem isso? Você vai ter de olhar para o exterior. Você pode também olhar para mim. É claro que eu tenho uma personalidade intelectual e que na minha vida praticamente não tenho assuntos pessoais a resolver. Tudo o que me acontece é amostra ou sinal de alguma coisa na qual devo pensar e, ao pensar naquilo, devo pensar usando todo o material e recursos que adquiri ao longo de cinqüenta anos de estudo. Eu quero chegar a uma compreensão efetiva e não me incomodo de que pessoalmente continue sofrendo este ou aquele problema. Eu não estou mais buscando a minha felicidade. O eixo já passou para outro lugar. Ou seja, entendi que a felicidade é um resultado mais ou menos acidental. A felicidade é como o prazer, dizia Santo Tomás de Aquino. O prazer é um efeito lateral resultante de uma coisa que deu certo. Ele não é um objetivo. Ele nunca é um objetivo. Afinal de contas, o prazer é um termo abstrato que designa uma constelação de sentimentos que podem diferir muito de uma pessoa para outra. O prazer é evanescente demais para você poder buscá-lo. Você vai ter de buscar alguma coisa concreta.

Por exemplo, o que é o prazer gastronômico? Você pode comer o prazer gastronômico? Claro que não pode. Você vai ter de comer alguma coisa concreta. Essa coisa pode lhe dar prazer ou desprazer. Santo Tomás de Aquino tem toda a razão. Você comeu, aquilo funcionou, então você diz que tem prazer. O prazer é o nome que você dá ao efeito lateral subjetivo de alguma coisa. Com a felicidade acontece a mesma coisa. Buscar a felicidade é a coisa mais inútil do mundo, porque você nunca sabe o que vai deixá-lo feliz ou não. É certo que algumas coisas o deixam feliz e outras o deixam infeliz, então são aquelas que você vai ter de buscar. Nosso esforço dirige-se sempre a fazer alguma coisa, a conquistar algo, e não a uma coisa abstrata chamada felicidade. Isso eu já entendi faz tempo: buscar a felicidade é fazer buraco na água. Quando o sujeito passa da camada quatro para a cinco, já entendeu isso. Se ele buscar a felicidade ficará infeliz, então é melhor buscar vitória, autoafirmação, força etc. Nesse ponto, já passou do estágio da busca da felicidade.

Entretanto, o Sr. Cristóvão Buarque quer colocar um artigo na Constituição Federal dizendo que todo brasileiro tem direito à felicidade. Se ele fizer isso, e se der certo, então todos entraremos com um requerimento dizendo que nossos direitos constitucionais foram feridos pela vitória da D. Dilma Rousseff, porque estamos muito infelizes por ela ter ganhado a eleição. Em um país onde isso chega a ser discutido todo mundo está na camada quatro. Há uma espécie de visão material da felicidade. A felicidade é como uma coisa que pode ser garantida a esta ou àquela pessoa.

 

🔹🔹🔹

 

 

Exame da biografia individual

 

Peço que cada um examine profundamente sua biografia e pense no que está buscando neste curso. Estou sugerindo isso porque vejo que frequentemente essas coisas falham. Como os indivíduos não desenvolveram ainda uma personalidade intelectual, embora tenham aqui a chance de desenvolvê-la formidavelmente, seus objetivos centrais não estão na vida intelectual, embora estejam participando da vida intelectual materialmente. Este é um grande problema: o indivíduo está efetivamente em uma camada, mas sua existência social real o está vinculando à camada seguinte. Isso é gerador de infinitos equívocos.

 

 

Imagine, por exemplo, um indivíduo que esteja em plena camada cinco e arrume um emprego. Ele está num meio profissional onde tudo funciona segundo as regras do Zinovyev: os direitos e deveres recíprocos dos membros de uma comunidade estão arranjados de modo que cada um atenda aos seus interesses da melhor maneira possível, sem pisar nos dos outros. O indivíduo que está a fim de autoafirmação destrói a harmonia desse ambiente. Ele pode ser rejeitado pelo meio e não saberá por que foi rejeitado. Ele vai interpretar isso em termos de camada cinco, isto é, vai entender que perdeu o jogo. E como tudo o que interessa para ele é demonstrar sua força, a demonstração de sua fraqueza é absolutamente intolerável. É a total infelicidade. Então ele vai tentar de novo várias vezes e o desajuste ficará cada vez mais profundo. Esse é o indivíduo que chamamos de “chato”. O chato é um sujeito de uma camada anterior que está colocado em uma situação que exige conduta de uma camada seguinte. Ele está completamente deslocado e só atrapalha.

No Brasil, ser intelectual é coisa que dá prestígio, embora não haja intelectuais. É uma coisa fantástica. Ninguém está cumprindo as finalidades da vida intelectual, mas fingir que cumpre, de algum modo, dá prestígio. Isso torna a condição de intelectual uma coisa que é ao mesmo tempo desejada, invejada, desprezada e odiada. Tudo isso ao mesmo tempo. É um complexo de sentimentos absolutamente incongruentes que ficam imantados em torno de uma determinada função social. Quando o indivíduo pensa que vai ser um intelectual “quando crescer”, já começa a ter todos esses sentimentos com relação a si mesmo.

Uma solução que muitas pessoas encontram é dizer que não querem ser intelectuais mas apenas levar sua própria vida. Querem apenas se aperfeiçoar e alcançar a salvação da própria alma. Se o sujeito entrou nisso, já temos ali um trabalhador a menos e um canalha a mais. Nessas condições, a adesão a finalidades religiosas é sempre absolutamente falsa. Você verá isso sobretudo nos discursos dessas pessoas, que estarão cheios de citações bíblicas. Tudo será feito “em nome do Senhor”. As pessoas cumprimentá-lo-ão “In Iesu et Maria” etc., usando toda uma linguagem eclesiástica, episcopal ou cardinalícia para arrogar-se importância e inibir o interlocutor, de modo que este sinta que aqueles estão falando em nome da Santa Madre Igreja, com quem não se pode discutir. Isso no Brasil virou epidêmico entre esse pessoal liberal, conservador, e entre antipetistas em geral.

Veja que eu só invoco o Senhor no meu programa de rádio para que proteja as pessoas contra mim. É a única vez que O invoco. Eu não fico fazendo toda hora prece em nome do Senhor. Só peço aquela ajuda ali porque realmente preciso. Sei que durante uma hora vou falar coisas horríveis sobre as pessoas e que a gente se excede realmente. Não quero cometer injustiças, então peço que Deus me fiscalize para eu não passar dos limites. É o único momento em que vocês me vêem fazendo isso. Invocar o nome de Deus em vão virou mandamento obrigatório no Brasil para todo esse pessoal. Eles acham que botar ali o nome de Jesus, de Maria etc., vai santificar o que eles estão falando. Ora, antes de você aprender a falar em nome de Jesus, você aprendeu a falar em seu próprio nome? Saiba que antes de chegar na camada oito, você não fala nada em seu próprio nome.

Você só tem uma voz própria, personalizada, quando tomou posse da sua vida inteira como problema, isto é, quando é capaz de meditar sobre tudo o que fez e ver que pode ser um fracasso ou que pode ter traído tudo. Enquanto você não tem uma espécie de crise de maturidade, não tem voz nenhuma. Você não fala sequer em seu próprio nome, mas apenas repete o que ouviu ou o que lhe parece conveniente dentro da regra do jogo.

Como é que pessoas assim estão toda hora com o nome de Deus na boca? Isso é um sinal de subdesenvolvimento mental e espiritual enorme, porque essas pessoas estão blasfemando o tempo todo e não percebem. Por que você acha que um dos dez mandamentos é não usar o nome de Deus em vão? Porque você não tem nenhum direito de atribuir a Deus aquilo que você está falando. Você fala a maior estupidez e mete lá o carimbo de Jesus Cristo sem perceber que o está ofendendo.

É claro que além de falar em nome de Jesus Cristo, você pode falar em nome de inúmeras outras coisas. Você pode falar em nome do povo brasileiro, em nome dos humilhados e ofendidos ou em nome de uma classe social. Só que todas essas representações são falsas. Posso lhes dizer que, com sessenta e três anos, nunca consegui falar em nome de coisa nenhuma, exceto de mim mesmo. Esta medida eu sempre tive: sei que isto aqui não é opinião de ninguém, não tenho autoridade nenhuma para dizer isto, a não ser a do meu próprio testemunho. Nada garante o que estou falando.

Há algumas aulas atrás, falei das pessoas que ficam julgando o conteúdo do que estamos dizendo aqui, em nome de algo que elas acham que é a doutrina da Igreja. Esse é um erro que as pessoas estão cometendo. Não estou aqui enunciando nenhuma doutrina da Igreja. Estou apenas apresentando algumas coisas que vi e entendi, na medida em que as vi e as entendi. Não pretendo que isso tenha nenhuma validade dogmática. Portanto, nada do que digo pode ser conferido com a doutrina da Igreja.

Nós, enquanto estudiosos de filosofia, assumimos o compromisso de Santo Tomás de Aquino: embora ele escrevesse obras de teologia baseadas na Sagrada Escritura, também escreveu várias obras de filosofia onde o compromisso era jamais tomar os dogmas da Igreja como premissa. Você tem de raciocinar a partir do fato, da experiência, dos princípios da razão e só. E é isso o que estamos fazendo. No Brasil de hoje é muito difícil entender isso, porque você tem milhares de pessoas amedrontadas, que estão na camada quatro, buscando uma proteção, um guarda-chuva, e crêem encontrá-lo na Santa Madre Igreja. Não é uma maravilha? Um idiota covarde de repente tem um imenso guarda-chuva em cima de si que o protege contra todos os males, erros e heresias, e que lhe dá a chancela de Nosso Senhor Jesus Cristo a tudo aquilo que fala. Quando olho essas coisas fico consternado, porque é um sinal de miséria humana. Nós aqui neste curso não nos podemos permitir isso jamais.

Peço encarecidamente a todos os alunos e ouvintes — porque há pessoas que vêm e ouvem um pedacinho — que não falem nada em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. Falem em seu próprio nome. Só digam em nome d’ Ele aquilo que Ele mesmo disse. Se você está citando uma frase do Evangelho, é em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. Quando você vai rezar, fala “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. Mas o que você fala em seguida? A sua própria e distinta opinião? Não! Você fala as palavras do Pai-Nosso e da Ave-Maria. Mas criar essa aparência de autoridade espiritual para proteger uma imensa covardia de um sujeito que tem trinta, quarenta, cinquenta anos e está lá como um adolescente buscando proteção é uma coisa muito feia. Não estou dizendo que alguém aqui em particular fez isso. Eu sei quem fez.

Às vezes eu dou uma aula inteira em função do pior aluno e algumas pessoas até se irritam e reclamam, achando que fico falando isso para pessoas atrasadas e fazendo os outros perderem tempo. Mas faço isso por um motivo muito simples: nunca é perder tempo recordar certas coisas. Se você amarrar dois burros um no outro e botar para correr, qual será a velocidade da dupla? A do mais lento. O mais lento tem a capacidade de atrasar o mais rápido. Mas o mais rápido não pode arrastar o outro. O indivíduo que está entendendo menos é aquele que tem de receber mais explicações, e aqueles que já sabem disso vão sair reforçados na coisa. De forma que é sempre bom repetir certas coisas.

Peço a vocês que releiam os capítulos I e II do livro do Sertillanges, “A Vida Intelectual”. Aquilo é absolutamente indispensável. O Padre Sertillanges explica que o exercício da vida intelectual é feito de determinadas virtudes. A capacidade de você conhecer as coisas com acerto, de descobrir a verdade, faz parte da virtude. Não é uma questão de QI. Não existe esse negócio de inteligência como um instrumento que você domina. Sua inteligência é função do seu amor pela verdade e exclusivamente disso. A única e principal qualidade de que você precisa para fazer este curso é ter amor à verdade.

Ter amor à verdade é, em primeiro lugar, querer conhecer a verdade sobre você mesmo, no sentido que isso tem quando se alcança a camada oito. Ou seja, você é uma pessoa que sabe de sua insuficiência, sabe que tem problemas e defeitos que ao longo de toda sua vida não conseguiu vencer e que não vai conseguir vencer nunca, e que essa história de fingir que pratica virtudes é uma coisa muito feia. A própria expressão “praticar virtudes” é completamente errada, porque virtude é uma força e essa força é Deus que lhe dá, às vezes. A virtude pode também se tornar um hábito, isto é, algo que você tem pela prática repetida. Aquilo se incorpora e você esquece que tem a coisa. São essas virtudes que você nem sabe que tem que nos interessam, isto é, aquilo que já se tornou normal para você.

Um dia ao conversar com meu filho Pedro ele me disse que foi depois de mudar para os Estados Unidos que ficou sabendo o que é um amigo. No Brasil ele não sabia. Por exemplo, encontrar pessoas leais, que o amavam, que queriam o seu bem, que queriam que ele fosse para frente, nunca havia acontecido no Brasil. Ele via todos os seus amigos puxando o tapete uns dos outros, deprimindo os outros, fazendo aquele tipo de gozação sarcástica e sádica que se sabe que vai ferir o outro, e isso era normal. Pergunto eu: de todas as pessoas que passaram pelo meu curso, com quantas eu posso ter esse tipo de relação?

Por exemplo, minha mulher está aqui presente, conhece-me há trinta anos e sabe que nunca digo não a qualquer pessoa que me peça ajuda. Não quero saber se o sujeito é bandido ou desonesto. Nunca! Essa virtude eu realmente tenho, é uma coisa que se tornou natural em mim. Não é uma coisa que eu faça porque queira fazer. Faço porque não sei fazer de outro modo. Alguns me previnem dizendo que determinado sujeito vai me enganar. Mas não tem importância, porque se ele me enganar o problema é dele, não meu. E se me enganar duas vezes, na terceira digo adeus, porque aí já fico com medo. Não posso conviver com esse sujeito porque ele vai me dar prejuízo.

Para quantos de vocês essas atitudes são normais? Por exemplo, o perdão. Examine e veja se você tem o instinto do perdão. Quando alguém lhe faz alguma coisa ruim, seu primeiro impulso é perdoar ou buscar uma vingança e dar uma bela justificativa moral para aquilo?

Outro exemplo: quando é que você acha que deve entrar em uma briga? Quando você acha que tem direito de ficar com raiva e, por exemplo, bater em uma pessoa ou denunciá-la publicamente? Vou lhe dar um critério que acho obrigatório para todas as pessoas que têm uma personalidade intelectual: você só tem direito de entrar em uma briga se ela tiver uma importância moral objetiva. Não que tenha importância para você, mas como exemplo para a humanidade em geral. Se você não encara as coisas dessa maneira, está com o critério de outra camada.

Sinceramente, e digo de coração, não acho que me ofender ou prejudicar seja pecado. (…). Em princípio, não acho ruim que as pessoas façam isso. Mas em certos casos, a conduta do indivíduo está servindo de mau exemplo, deseducando os outros e prejudicando ele mesmo. Aí nós temos de entrar. Isso para mim já se tornou uma coisa óbvia, e eu tenho a presunção de transmitir isso a todos os meus alunos. Se nós não aprendermos isso, não alcançaremos a grandeza suficiente para desenvolver em nós uma personalidade intelectual e poder atuar publicamente de maneira que seja boa e útil.

Isso quer dizer que uma pessoa de nível intelectual nunca se enfeza muito com ofensas pessoais, porque ela está ocupada com outra coisa: com as verdadeiras ofensas. Por exemplo, essa situação intelectual do Brasil, com o total desrespeito pelo conhecimento e pela alta cultura, me ofende profundamente. (…) Sem falar naquilo que ofende o próprio Deus. E normalmente no Brasil as pessoas que ofendem Deus, sempre o fazem em nome do próprio Deus. Sempre entra lá o “em nome de Jesus”, sempre entra três ou quatro invocações bíblicas. O indivíduo às vezes comete o próprio pecado contra o Espírito Santo, que é negar uma verdade que ele sabe que é verdade, e no mesmo momento está citando Jesus, Maria etc. sem perceber o que está fazendo. Pessoas assim não têm muito o que conversar conosco e não têm nada o que aprender comigo.

Embora eu prefira, nestes cursos, manter uma atitude descritiva e analítica e não exortatória — de dizer o que as pessoas devem fazer —, hoje achei que era uma obrigação fazer isso porque, à medida que vamos transmitindo novos materiais, novas informações, abrindo acesso a ideias, autores e fatos, a inteligência da pessoa vai sendo estimulada. Mas a inteligência sem a devida base emocional e moral é um problema porque vira sempre um fingimento. O indivíduo está exercendo funções de uma camada intelectual, mas em função de motivações menores, de camadas anteriores.

Vejam, por exemplo, os casos de algumas figuras políticas importantes no Brasil. Em que camada você acha que está o Lula? Indiscutivelmente na camada seis. Ele sabe fazer as coisas, obter vantagens e resultados. Quanto aos códigos morais e de cidadania que ele segue, veja aquele caso do menino do MEP como amostra da lealdade que ele têm com seus próprios companheiros. Ele só tem lealdade na medida do interesse próprio. Quando um homem desses usa a palavra cidadania, é claro que a palavra é vazia. É apenas um emblema, um enfeite, um adorno que ele está usando para se fazer importante. Quando usa a palavra ética, é a mesma coisa. Você sabe que essas palavras não tem sentido substantivo na boca de uma pessoa dessas. Quanto à D. Dilma Rousseff, duvido que tenha alcançado a camada seis, porque nunca a vi fazer nada que funcionasse — Lula fez várias coisas que funcionam: o próprio PT e o Foro de São Paulo são exemplos —. São essas pessoas que estão mandando no país.

Agora imaginem os formadores de opinião. Leiam as colunas de jornal. Oitenta por cento é constituído de fingimento de uma importância que não tem. Pessoas que escrevem num tom que está infinitamente acima delas, que tentam fingir uma impessoalidade acadêmica. A impessoalidade acadêmica é uma coisa terrível. Imaginem um sujeito que está em plena camada quatro ou cinco que entra numa universidade e aprende a escrever como um sociólogo ou cientista político, onde há uma série imensa de termos e de construções feitos para fingir uma distância do problema. Imaginem que coisa mais feia que sai daí. A produção acadêmica brasileira é constituída disso. Um fingimento de distanciamento, de seriedade acadêmica por parte de pessoas que têm objetivos emocionais ou puramente egolátricos muito inferiores àquilo. É claro que não é aí que vocês têm de buscar seus modelos.

Se não houver constantemente um autoexame — no sentido de se perguntar o que você está querendo na verdade, qual seu objetivo dominante, qual a chave de todos os seus esforços que está por trás de todas as suas alegações — você não estará cumprindo a finalidade deste curso, embora possa vir a ter algum aproveitamento intelectual aqui.

Repito: este curso não foi feito para atender a nenhuma necessidade pessoal de ninguém, mas a uma necessidade nacional de criar uma geração de intelectuais que possa restaurar a dignidade da vida intelectual no Brasil. Quem quer que tenha sido chamado a isso, saiba que foi chamado a algo muito honroso. Todavia, essa coisa honrosa não pode ser apenas uma camuflagem para algum objetivo menor. Seus objetivos menores serão atendidos também. Quando você muda para a camada posterior, a anterior é absorvida. Significa que ela não é mais o foco, mas está lá dentro.

Por exemplo, um indivíduo na quinta camada está atendendo ao seu desejo de felicidade. Só que ele já entendeu que a felicidade não pode ser conseguida diretamente, mas que passa por um negócio chamado “eu”. O “eu” tem de valer alguma coisa, ocupar um espaço, senão está perdido, e assim por diante. A vida intelectual pode atender a todas as oito camadas anteriores, desde que seja o centro articulador de todos os seus esforços.

 

🔹 Camada 10

 

 

O problema da personalidade moral só se coloca a partir do momento e que o sujeito tem uma personalidade intelectual, pois é a personalidade intelectual que vai destacar no indivíduo a idéia do valor universal como algo que existe para nós. Sem isso, como poderíamos julgar moralmente nossos atos? Abaixo de um certo nível de integração da personalidade que permita a eclosão dessa personalidade intelectual superior, a rigor podemos dizer que os atos do sujeito são moralmente irrelevantes — isto no sentido da moral kantiana, não da moral social, pois seus atos têm influência sobre os outros.

O problema moral de que falamos surge quando, concebendo que existem valores universais em si, que lhe cabe realizar, o indivíduo se recusa a fazê-lo. Mas como exigir isso daquele que não tem uma síntese individual formada, de um indivíduo que ainda está se desenvolvendo dentro da mentalidade coletiva e que, quando erra, erra junto com os outros?

A décima camada significa o indivíduo que concebe a si mesmo como representante da espécie humana, como ser dotado de autoconsciência e responsável por todos os seus atos. É, em suma, o “eu transcendental”.

Na camada 10 o indivíduo observa-se de um ponto de vista tal que qualquer outro ser humano, no seu lugar, teria a obrigação de se encarar daquela forma. Aí está o homem perante a razão, perante suas faculdades superiores, detentor da capacidade de avaliar a racionalidade dos seus atos em termos absolutos.

Sócrates, ao discutir, sabia que as condições de veracidade que existiam para ele eram iguais às que existiriam para qualquer outra pessoa, porque o pensamento dele expressava a autoconsciência da sua própria universalidade.

A camada 10 representa a conquista de um papel definido dentro da hierarquia da humanidade. Estar nesta camada é estar permanentemente tendo consciência intelectual da universalidade de todos os atos. Consciência de que o animal racional, em geral, deve agir assim nesta ou naquela circunstância. Os atos adquirem, então, uma significação universal, embora não um alcance universal.

 

🔹 Camada 11

 

 

Na medida em que tenha uma personalidade intelectual superior e um eu transcendente capaz de se sobrepor a toda a sua existência e julgá-la, no momento em que alcança este ponto, de poder julgar sua existência e seus atos como se estivesse acima de si, é que o sujeito presta satisfação de si perante o tribunal da Humanidade, da História.

O plano da universalidade, o pensar apodítico são elementos de camada 10. Encontramos aí uma teoria universalmente válida, mas agir de maneira universal já é algo diferente. A próxima etapa seria julgar a totalidade da vida face às ações realizadas e às conseqüências delas para a humanidade.

Atingir uma certeza, com objetividade, ainda não atribui sentido histórico aos atos do indivíduo. É como se ter uma universalidade, porém, teórica.

A camada 11 representa a ação individual no conjunto da história. Não importa se as ações são grandes ou pequenas, pois o fundamental aqui é saber exatamente onde o indivíduo está situado, não apenas enquanto animal racional, mas dentro da História como um todo, dentro do processo de evolução da espécie humana.

Quando o indivíduo conquista um papel histórico, sua ação é julgada pela Humanidade, alcançando então uma dimensão global.

O protótipo da camada 11 é a figura de Napoleão Bonaparte. Ele pretendia descobrir até onde seria possível chegar o poder de um indivíduo a ponto de mudar o curso da História. Se formos estudar sua biografia não o compreenderemos procurando explicá-lo segundo motivos de camadas anteriores.

Quando se age em função de fins históricos, age-se em função de algo que não existe ainda, o que implica que essa ação não pode ser avaliada nem pelo seu conteúdo social nem pelo seu proveito prático, porque está acima disto. Somente encontraremos a chave do comportamento se subirmos mais alto. Aí sim, os atos se unificam e adquirem uma forma completa.

Napoleão não tinha nenhum plano determinado para executar e este é o seu traço característico: a absoluta inexistência de um espírito de missão. O que ele possuía era um espírito de tentativa que o levou a experimentar a liberdade humana e a força do indivíduo até onde lhe foi permitido. Napoleão buscou direcionar isso no sentido do bem, tal como ele o entendia.

Não cabe definir Napoleão nos termos de um simples desejo de poder, o que em inúmeros casos é um dado irrelevante face à História. No entanto, alguns personagens deixam uma marca e os que sabem qual é essa marca, e qual o julgamento que a História fará deles, atingem a camada 11.

Napoleão tinha consciência de haver alterado a História de modo indelével, o que raros homens conseguiram. Isso não é decorrência da quantidade de poder acumulado, que posteriormente pode ser apagado ou revertido. Pode inclusive ocorrer um engano trágico, quando os efeitos das ações se tornam exatamente o contrário do imaginado.

Na camada 11 o sujeito se posiciona como uma peça da História, que num momento específico, com certeza plena, realiza determinadas ações que vão modificar o rumo da coletividade humana. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, arquivada ou transmitida de nenhuma forma ou por nenhum meio, sem a permissão expressa do autor. Não há espaço para todos na camada 11.

A própria natureza é hierárquica do início ao fim. Não há democracia natural, porque é evidente que as pessoas têm graus diferenciados de saúde ou de inteligência. O que realmente se constata é um processo seletivo, embora seja difícil admitir que existam indivíduos melhor dotados do que outros.

 

🔹 Camada 12

 

 

As psicologias místicas tratam fundamentalmente do sentido da vida do indivíduo, do indivíduo perante sua responsabilidade moral última, algo que está acima do personagem, algo que a Humanidade mesma não sabe. É fundamentalmente o indivíduo como Homem Universal, como Cristo, como pastor e responsável pela humanidade inteira.

A camada 12 consiste na ação do indivíduo em função do propósito último de todas as coisas. Para Gandhi — que é um protótipo da camada 12 — somente interessa a relação dele com uma finalidade que transcende a vida biológica e a vida da espécie humana. Quando ambas acabassem, sobraria Deus, e é esperando por esse momento que se norteia a sua ação.

No caso de Gandhi, nem mesmo o objetivo político explica o seu comportamento, pois ele não aceitava a independência da Índia em quaisquer termos, colocando exigências morais muito acima do que os seres humanos costumam imaginar. Gandhi agia exatamente ao contrário do raciocínio político, apelando para o centro da questão e oferecendo como garantia não apenas sua própria vida, mas seu destino “post-mortem”. Na camada 12 todas as ações são pautadas pela seguinte regra: “o que Deus vai achar disto?” Tal é o sujeito que, de acordo com a Bíblia, caminha diante de Deus e sabe o que Ele está pensando. Normalmente, mesmo uma pessoa excepcional não submete todos os atos a esse critério. O confronto com Deus pressupõe que o homem seja capaz de conceber cada ato seu sob um prisma eterno.

Se temos uma decisão a tomar, podemos fazer isso ou aquilo por razões de camada 5 — isto me fortalece, eu me sinto mais autoconfiante; de camada 6 — vai dar resultado; de camada 7 — é um dever que me compete; de camada 8 — isto tem lógica dentro da minha biografia; de camada 9 — é isso o que o dever da inteligência impõe. Até a camada 9 está presumida a existência do mundo, pois que sentido faria agir segundo um proveito prático se tudo fosse acabar amanhã?

O atendimento do dever referente a um papel social pressupõe a existência de pessoas que tenham uma expectativa em relação ao ocupante desse papel. Agir em função da coerência da própria biografia, pressupõe que esta deva continuar. Agir visando objetivos ditados pela cultura, pela inteligência, pressupõe que hajam fins realizáveis dentro do prazo de uma existência histórica. Porém, se o indivíduo age exclusivamente em função de um final, ele está agindo precisamente em função da inexistência de um mundo em torno. Com ou sem mundo, ele agiria da mesma maneira. Os atos adquirem então um significado supratemporal, supra-histórico, ou seja, eternamente o homem deveria agir assim, antes de existir o mundo ou quando este deixar de existir. Aqui a ação é tida como a expressão direta de uma qualidade divina que prescinde da existência do mundo.

Qualquer pessoa que crê em Deus eventualmente procede inspirada no eterno, muito embora seja difícil compreender alguém que age assim permanentemente, tal como Gandhi, para quem devemos usar uma outra chave de comportamento. É como se ele soubesse o que Deus quer, como se conversasse com Deus o tempo todo. Um homem santo realizado age em função do sentido eterno da existência, não tem outro motivo, sequer a História.

Na camada 12 as ações do indivíduo parecem por demais complexas e enigmáticas. Para se entender as ações de um santo só acreditando nele. Aí então tudo se encaixa, começamos a perceber uma coerência, um princípio explicativo das ações. Isso ocorre independentemente de motivações vocacionais que tenham surgido no curso da biografia, relativas às camadas anteriores, que podem ter contribuído para colocar o sujeito numa determinada via, mas não bastam para esclarecer o desenrolar da sua história.

Podemos falar de santidade apenas quando a relação do indivíduo com um Deus eterno é que motiva cada um dos seus atos. Não somente atos acidentais, mas todos, um por um, não existindo um único ato que se possa explicar fora desse diálogo. Com quem o sujeito conversa, a quem ele responde? Se apagarmos essa conexão, a vida dele se torna uma coleção de atos sem sentido. Existem indivíduos que já nascem na camada 12, tanto que ao passarem pelas que a antecedem elas vão sendo absorvidas rapidamente”.

 

 

Fonte: Olavo de Carvalho

 

 

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